Recentemente uma amiga do trabalho resolveu criar um Clube do Livro e eu decidi me inscrever. O primeiro que lemos foi “O Palhaço e o Psicanalista” de Cláudio Thebas e Christian Dunker. O interessante é que em algum momento eles citam um fato intrínseco ao ser humano, que ele é um ser lúdico, e comentam de um livro que li há muito tempo. Então resolvi relê-lo.
Essa semana me “caiu uma ficha”. Sabe aquele momento eureka? Parece que na minha cabeça muitas coisas se juntaram da noite para o dia.
O livro citado é o “Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura”, estrito por Johan Huizinga em 1938. Nele o autor propõe o conceito de Homo Ludens, fala da importância dos jogos na vida dos seres humanos e demonstra algumas das suas caraterísticas que acredito ser importante salientar: os jogos possuem regras definidas, possuem ambientes delimitados, são uma ação voluntária e possuem começo, meio e fim. Para nossa reflexão vamos tomar as ações de Jogar e Brincar como semelhantes por possuírem características base em comum.
Aqui é onde começa nossa jornada sobre produto. É comum que empreendedores ao ver uma grande empresa obtendo sucesso busquem entender quais práticas estão por trás disso. De certa forma, está corretíssimo, chama-se benchmarking. O problema é quando decidem quem será seu benckmark e usam informações enviesadas para construir suas estratégias, seja por falta de conhecimento do próprio negócio ou do negócio do outro.
Quase todos já ouviram a história da Netflix ter reinventado o aluguel de filmes, então não vou me aprofundar nela e apenas focar em um dos pilares que fez ela realizar esse feito.
Em primeiro lugar a Netflix busca conhecer muito bem seu público-alvo, o que exige tempo, dedicação e investimento financeiro. Esse Jogo da Atenção, como costumamos dizer dentro do mundo de estratégia de produto, implica saber qual conteúdo entregar e o momento certo de fazer essa entrega. Traçando um paralelo entre a estratégia dela e como os jogos se comportam ficaria assim:
Possuem regras definidas: Sabemos à partida que a Netflix não abre todo o catálogo para todo mundo. Que periodicamente os filmes e séries entram e saem de sua plataforma. Que muitas séries só terão 1 ou 2 temporadas. Todos esses acordos comerciais são traduzidos como regras do jogo quando ela deixa transparente a forma como atua. Logo, quem assina concorda sem precisar ler os termos do serviço.
Possuem ambientes delimitados: Antigamente o espaço dos filmes e séries era no cinema, depois na sala de casa, mais tarde no quarto e agora, graças à tecnologia, está em quase qualquer lugar. Observando, era fácil delimitar o ambiente e agora? Bom, agora podemos dizer que esse ambiente delimitado transcendeu o espaço físico, já que cada assinante é livre para criar seu próprio ambiente. Cada pessoa, com base em seus recursos, tem hoje a possibilidade de recriar a experiência onde estiver, criando ambientes delimitados próprios e invioláveis do ponto.
São uma ação voluntária: A arte tem a capacidade de ampliar os sentidos humanos, transformar a consciência ilusória em real. O cinema é uma arte. Então quando assistimos um filme, uma série, um documentário nos transportamos para um momento ilusório nosso, onde cada um escolhe se colocar como expectador ou protagonista. Essa escolha é voluntária. Apesar de a Netflix buscar influenciar seus assinantes, ela respeita tanto esse livre arbítrio que você pode assinar um mês, assistir tudo que quer, cancelar e voltar a assinar somente quando a próxima temporada for lançada.
Possuem começo, meio e fim: Isso significa que ela não exige dos seus assinantes nenhum compromisso além do acordado, que é pagar o fornecimento do serviço. Novamente, observamos a liberdade de ir e vir dada aos clientes. Arrisco a dizer que ela sabe não deter 100% da atenção de seus assinantes, e está tudo bem saírem. O importante é que eles vão voltar, já que estão indo por espontânea vontade e não por um atrito causado pela empresa.
Após essa análise fica claro que um dos pilares da estratégia da Netflix é conhecer muito bem o seu cliente. Se você, como empreendedor ou profissional de produto, busca se inspirar no modelo dela, comece por estudar o seu cliente e seu negócio.
Uma técnica fantástica é o Golden Circle proposta por Simon Sinek: https://www.ted.com/talks/simon_sinek_how_great_leaders_inspire_action
Essa técnica se conecta aos desejos dos clientes da seguinte forma:
No sistema límbico é onde tomamos nossas decisões inconscientes, desta forma ele se conecta com os valores e crenças dos clientes.
No neocortex existe a racionalização da decisão já tomada pelo sistema límbico.
Por isso dizemos que para conquistar clientes precisamos gerar impulsos de dentro para fora.
Passado esse primeiro passo, vamos para o mais árduo e talvez dolorido -conhecer o cliente. Para começar, você precisa saber como ele se sente em relação ao seu serviço. E é nesse momento que pode descobrir que o seu cliente só utiliza o seu serviço por falta de opção. Porém descobrir isso é muito importante, pense que você está tendo a chance de reverter o quadro de cancelamento antes dele acontecer.
Existem diversas ferramentas para realizar essa medição, contudo gosto de recomendar o uso do Net Promoted Score, NPS para íntimos.
O NPS é uma metodologia para medir a satisfação de clientes e avaliar o grau de fidelidade dele com sua empresa. A técnica surgiu em 2003 com Fred Reichheld em uma publicação na Harvard Business Review e posteriormente evoluída no livro “A pergunta definitiva” do mesmo autor.
O próximo passo é saber como seus clientes utilizam seu produto e aí você vai ter que ouvir e falar bastante com eles. Duas ferramentas que podem ajudar muito nesse momento são o Mapa de Empatia e a Jornada do Consumidor.
O Mapa de Empatia é uma ferramenta criada pela XPLANE, como parte da Metodologia Canvas para ajudar as equipes a compreender profundamente seus clientes e aprimorar a experiência do usuário.
O último passo é o mapeamento da Jornada do Consumidor. Essa ferramenta consiste em mapear as ações dos seus clientes dentro de um conjunto de etapas predefinidas que vão desde o momento em que ele descobre que precisa sanar um problema até o momento que ele deixa de ser seu cliente.
Dentro dos macro momentos existem 10 momentos mapeados que você pode utilizar inicialmente: (1) Conscientização, (2) Descoberta, (3) Interesse, (4) Negociação, (5) Ação, (6) Uso & Uso Contínuo, (7) Compartilhamento, (8) Lembrança, (9) Desistência e (10) Resgate.
No final você tera um mapa parecido com a imagem abaixo:
Agora com todos esses insumos você é capaz de avaliar quais as motivações dos seus clientes e construir o melhor jogo para jogar com eles.
Minha dica final é: no mundo de hoje, os clientes buscam autenticidade, desta forma cópias não são bem-vindas. Inspire-se nas grandes empresas, mas seja autêntico ao conversar e construir produtos para seus clientes.
Por fim deixo dois artigos em inglês que valem a leitura: The Three Games of Customer Engagement Strategy e How To Choose A Customer Engagement Model.
Por Paulo Silva, Product Owner na Invillia