Gestão de pessoas, anywhere. Quais as métricas, os gatilhos, os insights que realmente importarão nesse momento onde talentos vão e vêm em ritmo de start-up.
No meu primeiro emprego, tinha uma senhora que preparava o café. Toda manhã, por 3 anos, Dona Fátima me recebeu com uma xícara cheia e um: Seu André, como você está se sentido hoje? Na época não era tão fã de cafeína como agora, mas me despertava, me sensibilizava, o carinho daquele detalhe. É a lembrança mais forte que tenho do que chamamos hoje de “employee experience”. Ativado ainda 20 anos depois pela memória olfativa e com o poder de acionar em minha mente uma série de conexões que melhoram meu humor, fomentam minha criatividade e certamente influenciarão meu rendimento nas próximas 8 horas. Dona Fátima era disruptiva, sabia bastante sobre o futuro da inteligência de dados aplicada a talentos. Só não tinha ideia disso.
Entender, conhecer, encaminhar ações a partir dos milhares de gatilhos do passado e do presente é um dos desafios mais urgentes que temos como gestores, motivadores de pessoas. É nítida como a relação empresa-colaborador está cada vez mais tênue, com vínculos emocionais frágeis, ainda mais com a consolidação dos modelos flexíveis de trabalho. Jamais tivemos acesso a tantas estatísticas de nós mesmos como no atual dia-a-dia digital. Assim como em tempo algum foi tão fácil desligar um Teams aqui. E ligar o Slack em outra companhia, no outro lado do mundo.
O que nos leva ao óbvio: a massa de dados da era do “tanto faz onde estamos, para quem estamos”, das relações superficiais “liga-desliga”, vai ter que aprimorar muito sua perspicácia em explorar um ponto em especial: o que de fato nos toca, nos inspira? Esteja essa palavra-mágica disfarçada de: fazer, socializar, engajar, conectar, experimentar. Ou a mais estratégica, objetivada delas: reter. Para criar vínculos “real-time ou de longo prazo” mais consistentes, a rede de dados que teremos que mirar será aquela mais profunda e protegida. Aquela escondida dentro de nós. Tudo aquilo que percebemos. Mas principalmente aquilo que nem imaginamos.
Hoje ferramentas como Zoom, Instation, Teams, Slack, associadas a sistemas de AI/bots e práticas internas de levantamento de inputs (skill maps, onboardings, pesquisas, por exemplo) são action points fundamentais. Ajudam a compreender comportamentos e padrões individuais e de times, períodos de tempo de maior colaboração ou foco, o par que mais gostamos de falar, medem resultados e Kpis, orientam decisões práticas e até indicam quem está com fadiga por excesso de tempo em reuniões. Porém ainda estão engatinhando (assim como a consciência de que performance e desempenho não são métricas. São fins).
O fato é que nosso ecossistema “consciente e inconsciente” de informação aproveitável é muito mais complexo e amplo – Se juntarão a evolução analítica dessas plataformas que citei acima muitas outras novas correlações: mais devices biométricos (da cadeira e do headphone que usamos as interfaces brain-machine), mais apps sociais, comportamentais, mais históricos que deixamos aos montes na rede, nos ambientes que circulamos. Os quais se cruzarão para desvendar um pouco mais dos nossos rastros fragmentados. Perceber links de anos atrás que ainda nos afetam, descobrir códigos de conduta invisíveis e valores, o que do perfil de todos os líderes que passaram por nossa vida admiramos, como nossas células reagem a cada tipo de pressão, nossas variações cardíacas a cada diferente informação que absorvemos, como cada break, cada refeição nos influencia em escolhas etc, etc, etc. Comportamentos, emoções associadas a reações, momentos são grandes contadores de história e futurologistas.
Quanto antes e quanto mais dessas matrizes conseguirmos unir e empregar, mais aplicabilidade terá nosso data intelligence. Poderemos com muito mais exatidão ligar as chaves certas para antecipar questões e ter insights poderosos para preocupações “super” na moda nas conversas do Linkedin e do Clubhouse: como determinar traços sexistas, racistas já na primeira entrevista? Como achar os novos empreendedores? Como estimular a capacidade de superação, a pro-atividade? Quão criativo e colaborativo um funcionário pode ser? Como combinar competências e não desperdiçar uma habilidade? Como potencializar felicidade, saúde, resiliência, agilidade? Como resgatar um profissional que perdeu perspectivas de crescer, a capacidade de sonhar? Por que aquele perfil perfeito jamais deu match com a minha cultura? E por aí vai. A boa notícia é que mês a mês esse futuro e todas essas possibilidades – facilitadas por diversas tecnologias e práticas em expansão – ficam mais próximas. Entretanto, no meio disso tudo, para finalizarmos, tem o tema do duelo entre Apple e Facebook (com enorme probabilidade de ser a sua batalha também, com toda a sua equipe): a privacidade.
Companhias, com razão, estão com uma preocupação crescente em relação a como explicar, tratar, legislar sobre armazenamento de dados pessoais. Em quais ciclos da jornada de trabalho serão coletados, em qual nível de proteção da individualidade e do coletivo, quem poderá acessá-los, como serão analisados, em quais circunstâncias, com qual propósito. São muitas questões que precisam ser colocadas com transparência. E mantidas de maneira simples, para que todos entendam e se beneficiem. Aliás, será que o próprio funcionário, com ciência do seu dashboard de capacidades e diferenciais, não pode revindicar um bônus especial por economizar tempo dos seus colegas ou por ser o grande influenciador na sua área? Creio que psicólogos ainda estudarão “O complexo, a negação, e o ego dos Dados” e a escala gigante desse assunto que requer maturidade de todos. Mas isso deixo para algum outro artigo.
E Dona Fátima, se por sorte me lê, estou muito bem. Graças a sua atenção visionária. Dados, no ambiente de trabalho, precisam nos fazer sentir algo. Como o cheirinho do seu café.
André Piva
Chief Strategy Officer, Invillia – infinite digital power